segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Revista de imprensa: ""Sim" vence com maioria expressiva e PS promete aprovação urgente da lei"

Referendo sobre a despenalização do aborto
"Sim" vence com maioria expressiva e PS promete aprovação urgente da lei
São José Almeida, Público.

À segunda, foi. A lei que despenaliza o aborto a pedido da mulher até às dez semanas, em estabelecimento legalmente autorizado, vai ser submetida a votação final global com carácter de urgência, depois de ontem 59 por cento dos votantes se terem exprimido nas urnas a favor do "sim".

A abstenção, na ordem dos 56,4 por cento, faz com que o resultado do referendo não seja vinculativo, pois não votaram metade mais um dos eleitores. Mas, ontem à noite, todas as forças políticas foram consensuais a aceitar a inevitabilidade política da aprovação da lei. Até porque esse foi o compromisso assumido pelo primeiro-ministro e líder do PS, José Sócrates, ainda antes da campanha, no congresso do PS, que se realizou em Novembro, em Santarém.

A certeza da celeridade na finalização do processo legislativo sobre a despenalização é garantida pelos socialistas e foi ontem afirmado pelo primeiro-ministro, José Sócrates. Com carácter de urgência, seguir-se-á a posterior regulamentação da lei. Ontem, o primeiro-ministro não adiantou pormenores sobre a solução a adoptar, apenas deu dois sinais: vai seguir soluções em vigor noutros países e garantirá um período de reflexão à mulher que quer abortar. A próxima intervenção de Sócrates sobre o assunto deverá ser feita depois de amanhã, em Óbidos, o palco escolhido pelo PS para, numas jornadas parlamentares, dar ao primeiro-ministro espaço para cantar vitória neste referendo.

As decisões que Sócrates venha a tomar sobre o tipo de regulamentação da lei da despenalização até às dez semanas deverão ser indiciadas em Óbidos, mas deverão receber o consenso do PSD.

Ontem, Marques Mendes, um dos perdedores da noite, deixou claro que não se oporá ao veredicto das urnas e que a despenalização é para seguir em frente no parlamento, onde o PSD, aliás, deverá repetir a liberdade de voto. É também provável que os socialistas venham a acordar com o PSD os contornos da regulamentação. Um consenso de centro, suficientemente abrangente, para que a lei resista à contestação e à polémica que o CDS e o movimento plataforma Não Obrigada já prometeram.

Vitória pessoal de Sócrates

Se esta é uma vitória do PS, ela é, sobretudo, a vitória do próprio José Sócrates. não só pela forma pessoalíssima como assumiu esta causa: inscreveu-a no programa eleitoral e no programa do governo e insistiu na repetição do referendo. Mas também pela forma como deu a cara em nome da despenalização na campanha, marcando a diferença de forma abissal para a atitude de António Guterres, em 1998, que cedeu então o referendo ao líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, bloqueando a acção do PS em relação à campanha e acabando mesmo por afirmar que era partidário do "não".

Mas se esta é uma vitória de Sócrates, ela é igualmente a solução do último compromisso com os partidos mais à esquerda e particularmente com o BE que Sócrates transportava consigo desde a sua eleição como secretário-geral, a receber a herança do "guterrismo" neste dossier. Agora, está liberto de compromissos com o bloco de esquerda.

A força dos cidadãos

A vitória do "sim" foi também uma vitória do BE. desde o início da discussão sobre a repetição do referendo, ou seja, praticamente desde a anterior consulta popular, que o BE tem sido categórico na defesa da necessidade de não fugir a esta etapa de legitimação popular da lei. Ontem, Francisco Louçã não deixou de puxar pelos seus louros de ganhador, marcando a diferença de atitude em relação ao PCP. Isto porque os comunistas entraram na campanha do "sim" com tudo, mas nunca deixaram de afirmar a sua oposição absoluta ao facto de o PS ter optado por repetir o referendo.

O resultado de ontem foi ainda uma clara vitória dos movimentos de cidadãos. Quer do lado do "não" quer do lado do "sim" surgiram, pela primeira vez, em momentos de decisão nas urnas, grupos de cidadãos organizados em torno de uma causa. Pelo lado do "não" e prometendo não desistir - Isilda Pegado e Pinheiro Torres foram peremptórios - a plataforma não obrigada mostrou uma capacidade de mobilização e um profissionalismo que foi inédito e que, até certo ponto, aumenta o peso da sua derrota.

Do lado do "sim" o movimento responsabilidade e cidadania, como principal agrupamento, era o outro grande vencedor da noite. E isso foi visível na onda de felicidade que irrompeu no Hotel Altis, em lisboa, quando foram anunciadas as projecções.

Agregando personalidades de várias áreas da esquerda, algumas até então em ruptura, este movimento, ainda que com contornos absolutamente amadores em alguns aspectos organizacionais, revelou uma dinâmica inédita na sociedade civil portuguesa em torno de causas políticas. Daí que uma das incógnitas para o "day after" do referendo seja a de saber o que vai acontecer a esta nova onda de participação cívica.

Com níveis de abstenção superiores a 50 por cento, o referendo não foi vinculativo. E embora o número de votantes tenha sido superior ao anterior referendo, foi inferior ao da consulta sobre a regionalização.

Esta situação volta a avivar o debate sobre a necessidade ou não de rever a lei do referendo. Isto porque, face ao carácter vinculativo voltar a ser nulo, discute-se o interesse da claúsula legal de vinculação. Em 1998, esta discussão foi lançada durante a campanha por figuras como Jorge Sampaio, que defendeu que a lei poderia ser alterada. Ontem, o actual presidente da república, Cavaco Silva, desaconselhou qualquer alteração legislativa precipitada: "É matéria que deve ser analisada, mas não me parece que, com tanta facilidade ou rapidez se possa pôr de parte o instrumento do referendo."

Falando depois de votar, cavaco acrescentou, segundo a Lusa: "talvez seja matéria para a assembleia meditar, mas pode ser precipitado pôr já de lado a possibilidade de os portugueses se pronunciarem directamente" sobre temas "consideradas importantes" para o país.

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