quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Revista de Imprensa: "A despenalização até às dez semanas vai beneficiar todas as mulheres"

"A despenalização até às dez semanas vai beneficiar todas as mulheres", assegura Ana Lourenço
por Sofia Branco, no Público de hoje.
08/02/2007

É portuguesa, mas trabalha em Genebra, na Suíça, desde 1994. A ginecologista obstetra Ana Lourenço juntou-se, de livre iniciativa, à campanha dos Médicos Pela Escolha a favor do "sim" no referendo. Com uma certeza: "A despenalização [do aborto] até às dez semanas vai beneficiar todas as mulheres, porque lhes vai permitir irem ter com profissionais de saúde, em vez de ficarem sozinhas com os seus problemas."

A médica, que trabalha no hospital universitário de Genebra - "a maior maternidade da Suíça, onde se fazem mais partos e mais interrupções voluntárias de gravidez (IVG)" -, contraria o argumento do "não" que alude à manutenção do aborto clandestino após as dez semanas. "A despenalização cria consultas onde as mulheres são recebidas, tenham elas gravidezes de dez semanas ou mais, já que, muitas vezes, as mulheres nem sequer sabem de quantas semanas estão", explicou ao PÚBLICO. Portanto, realça, todas as mulheres que procurem um médico receberão acompanhamento, "estarão na rede de cuidados".

"Na Suíça, também há mulheres que chegam depois das doze semanas [prazo do aborto legal], mas são poucas e cada vez menos", refere, acrescentando que as mulheres que não estejam dentro do prazo admitido serão informadas da existência de apoio social e psicológico para levarem a gravidez até ao fim, da hipótese da adopção e, nalguns casos mais graves, da possibilidade de recorrerem aos serviços de saúde de países onde o limite é mais alargado. Alternativas que Ana Lourenço e a equipa de médicos do hospital público onde trabalha indicam também às mulheres que ali acorrem para pedir uma interrupção da gravidez dentro do quadro legal - aliás, tal informação é obrigatória por lei.

"Um parto exige mais do SNS do que uma IVG"

Responsável pelas consultas de contracepção e de interrupção da gravidez no hospital universitário de Genebra, Ana Lourenço rebate também o argumento dos custos. Se, a partir de 2007, os estimados 20 mil abortos clandestinos que se realizam anualmente em Portugal se transformassem todos em partos, teria o Serviço Nacional de Saúde (SNS) capacidades para os acompanhar? A resposta é "sim" e a pergunta é dirigida aos defensores do "não", para demonstrar a sua "argumentação contraditória", já que, a acreditar nas referidas incapacidades do SNS, daria razão às mulheres que pretendem abortar. Além disso, realça a médica, "uma gravidez acompanhada até ao fim e um parto exigem muito mais do SNS do que uma IVG".

Portanto, reclama, o argumento da incapacidade dos serviços não faz sentido. É claro que "os serviços vão ter de adaptar-se à nova realidade", nomeadamente criando consultas de gravidez não planeada. Ana Lourenço destaca ainda que a legalização do aborto como "acto médico" implicará uma fixação de preços, acabando com o "negócio" do aborto clandestino.

Sobre a objecção de consciência Ana Lourenço reafirma a necessidade de os serviços se organizarem. "É claro que não pode haver um número de médicos objectores no serviço que incapacite uma resposta", sublinha. E alerta para a necessidade de os médicos partilharem a responsabilidade de cumprirem a lei. Daí que considere que a participação activa de profissionais de saúde na campanha portuguesa "é extremamente importante". "No referendo de 1998, o problema da saúde das mulheres não foi discutido, porque os médicos não participaram no debate", distingue.

"Seria muito difícil para um médico fazer só" interrupções de gravidez, admite, confirmando que "as consultas de IVG são sempre muito difíceis, são sempre histórias tristes". Por isso, a IVG "deve ser parte da actividade do ginecologista, mas não deve ser a única, a maneira mais saudável é encará-la como um elemento normal da saúde da mulher".

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