terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Revista de imprensa: "Julgamentos por aborto serão arquivados ou despenalizados retroactivamente"

Até à aprovação da nova lei
Julgamentos por aborto serão arquivados ou despenalizados retroactivamente
Notícia daqui

O que vai acontecer às mulheres que estão a ser julgadas pela prática de aborto enquanto a nova lei não entra em vigor? Muito provavelmente, nada. O cenário mais plausível é que os casos se arrastem na justiça até que a nova legislação entre em vigor e que sejam arquivados automaticamente.

Por outro lado, a Constituição e o Código Penal estipulam uma despenalização retroactiva, devido ao princípio da lei mais favorável para o arguido à altura do julgamento. Isto significa, na prática, que as mulheres portuguesas que levem a cabo um aborto até às dez semanas deixam de estar sujeitas a penas de prisão, mesmo antes da aplicação da nova lei.

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, salvaguarda que se uma mulher for a tribunal até que a nova lei entre em vigor, ela será julgada em conformidade com a legislação actual, mas ressalva que "em situação de descriminalização, todas as condutas anteriores deixam de ser consideradas ilícitas e os processos são arquivados", afirmou, em declarações ao PUBLICO.PT.

Em situações deste tipo, a justiça portuguesa prevê — por força do nº4 do art. 29ª da Constituição Portuguesa e dos números 2 e 4 do art. 2º do Código Penal — que seja aplicado ao arguido o regime legal que lhe seja mais favorável na altura do julgamento, ficando assim prevista a despenalização retroactiva do acto que anteriormente era considerado um crime.

Por outro lado, os casos de julgamento por aborto tenderão a arrastar-se em tribunal. "A tendência natural dos arguidos é a de quererem que os casos já não sejam julgados" à luz da antiga lei, afirmou António Martins, explicando que isso poderá ser conseguido através de fundamentos legais como a não comparência em tribunal.

Questionada pelo PUBLICO.PT acerca da aplicação da lei até à entrada em vigor da nova legislação, a assessora da Procuradoria-Geral da República Ana Lima confirma que os casos julgados entretanto serão analisados de acordo com o regime previsto, mas salvaguarda a necessidade de se pôr termo a situações de injustiça judicial. "Aguarda-se que os poderes legislativo e executivo tomem as medidas adequadas para evitar situações injustas e duvidosas".

Presidente do sindicato defende amnistia

Como encarar, então, os julgamentos de mulheres pela prática de aborto durante este período de transição? António Cluny, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, falou com o PUBLICO.PT a título pessoal, tendo defendido uma amnistia imediata para todos os casos de mulheres julgadas pela prática de aborto, no quadro previsto pela pergunta formulada ontem em referendo. "Devia haver uma amnistia para todos os casos de aborto até à aprovação da nova lei", especifica António Cluny, justificando a sua opinião pessoal com os argumentos de que uma rápida amnistia privilegiaria "a clareza, a facilidade e a igualdade", evitando complicações de ordem moral e jurisprudencial. "Uma coisa [a aprovação da despenalização do aborto até às dez semanas em referendo] devia implicar a outra [a amnistia imediata para todos os casos]".

Esta possibilidade de amnistia imediata não foi, porém, prevista até agora. "Ainda ninguém o disse", confirma Cluny. Assim, até que a nova lei entre em vigor, "o bom senso" e "o equilíbrio" dos juízes na análise dos processos deverá imperar, estima Cluny, quanto mais não seja por uma questão de "economia processual e de martírio".

Osvaldo Castro, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, considerou hoje, em declarações à Lusa, que "publicados os resultados oficiais, passado um mês deve estar pronta" a nova legislação que permite o aborto por opção da mulher até às dez semanas. "É preciso retirar rapidamente o crime da lei. É isso que esperam os portugueses que votaram no referendo", argumentou.

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